sexta-feira, 14 de junho de 2013

PROCURADOR DIZ QUE MINUTA PARA MUDAR LEI DO DESCANSO É ABSURDA

Paulo Douglas afirma que flexibilização de intervalos é “inconstitucional” e ressalta que texto retira responsabilidade dos embarcadores.

O procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) Paulo Douglas Almeida de Moraes considerou “absurda” a minuta de projeto de lei que altera a Lei do Descanso (12.619). O texto, que deve ser votado dia 18, foi elaborado pela comissão criada na Câmara dos Deputados para “aprimorar” a lei. O grupo é formado majoritariamente por parlamentares da bancada ruralista, que estão preocupados com o aumento do frete da safra.

Uma das críticas do procurador, que foi um dos maiores defensores da lei implementada há pouco mais de um ano, diz respeito ao aumento de quatro para seis horas do tempo de direção após o qual o caminhoneiro deve parar meia hora. Ele considera a mudança “inconstitucional” já que, mesmo aqueles trabalhadores cuja jornada diária é de seis horas, já têm direito a um descanso de 15 minutos dentro deste tempo. “O trabalho ininterrupto de seis horas equivale a uma jornada diária de trabalho e não apenas a uma fração dela”, declara.

Outro ponto preocupante da proposta, segundo Paulo Douglas, é que ela retira a responsabilidade do embarcador pelo controle da jornada do motorista. “No texto atual, as embarcadoras não podem ‘permitir’ ou ‘ordenar’ que o motorista siga viagem sem descansar o intervalo diário. Já a proposta dos deputados elimina a obrigação de ‘não permitir’, mantendo apenas a de ‘não ordenar’”, explica.

O procurador também critica a parte da proposta que obriga o caminhoneiro a se submeter a teste anual para detecção de uso de droga. No texto atual, o profissional deve se submeter a este teste dentro de um programa de controle de uso das substâncias criado pelo empregador. Na minuta, fica apenas o dever do empregado de fazer o exame. Para Paulo Douglas, o caminhoneiro passa de vítima a culpado por um sistema que o leva a usar rebites. “No entendimento do MPT, o motorista eventualmente viciado deve ser tratado às custas do empregador e não jogado na lata do lixo, como se fosse o culpado pela insegurança no trânsito”, declara.

Ele ainda critica a proposta que condiciona a aplicação da lei a uma lista de rodovias homologadas pelo governo. “Imagine a seguinte hipótese: as estradas do Mato Grosso estão homologadas e as do Pará não”, exemplifica o procurador, para complementar: “Um determinado motorista transita pelo Mato Grosso durante 6 horas sem descansar porque está no limite legal. Depois, esse mesmo motorista cruza a divisa com o Pará e lá pode prosseguir sem nenhum limite até o destino, porque lá não há homologação.”

Confira abaixo a íntegra da entrevista concedida por Paulo Douglas à Carga Pesada.

- O que o senhor achou da proposta dos deputados que flexibiliza os intervalos previstos na lei? A parada de meia hora passaria a ser obrigatória somente após seis horas e não mais quatro.

A elevação proposta, segundo estudos da Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego), viola os limites biológicos, não garantindo o adequado estado de vigília ao motorista. Além disso, a proposta mostra-se flagrantemente inconstitucional, pois o trabalho ininterrupto de seis horas equivale a uma jornada diária de trabalho e não apenas a uma fração dela, sobretudo se considerada a indeterminação do início e final do horário de trabalho também contemplada no relatório da Comissão.

- E a redução de 11 horas para 10 horas do intervalo entre duas jornadas do caminhoneiro autônomo, sendo que apenas 8 precisam ser ininterruptas?

A redução em si é um retrocesso, sobretudo porque acentua a diferença de tratamento entre motoristas empregados e autônomos. Mas não é só isso. Em termos práticos, a lei estaria exigindo apenas oito horas de descanso para o autônomo, pois o restante pode, segundo a proposta, ser gozado fracionadamente com os intervalos de 30 minutos a cada 6 horas de volante. Esse conjunto tende a levar o segmento a uma informalização sem precedentes com a consequente desestruturação do setor no Brasil.

- E quanto à permissão para que o empregado possa flexibilizar as 11 horas, sendo no mínimo 8 ininterruptas?

Essa flexibilização, se viesse desacompanhada da possibilidade de gozo concomitante com tempo de espera e do descanso de 30 minutos, seria aceitável. Contudo, não é assim, fato que também conduz, em termos práticos, à redução pura e simples do intervalo de descanso diário, o que é inaceitável sob o ponto de vista humano.

- No texto atual, está escrito que é dever do motorista submeter-se a teste e a programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica, instituído pelo empregador, com ampla ciência do empregado. Na minuta da comissão, lê-se que é dever dele submeter-se a exames toxicológicos de larga janela de detecção e a programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica, instituído pelo empregador, com sua ampla ciência, pelo menos uma vez ao ano. Como o senhor vê essa proposta?

O trânsito seguro é um direito de todos os usuários da rodovia. Portanto, a obrigatoriedade do teste é positiva e protege a sociedade. No entanto, a proposta não parou por aí. Ela atribui ao motorista o ônus pelo mal causado pelo atual sistema de transporte rodoviário, pois se constatada a presença de drogas caberia ao patrão dispensar o motorista por justa causa. Ocorre que o motorista não criou o sistema que o levou ao vício. Ele é vítima desse sistema. Se ele, o motorista, se viciou deve ser tratado e não desempregado. A proposta, neste aspecto, é injusta e imprevidente, pois o país vive um “apagão” de motoristas e, caso aprovada, a situação será agravada. No entendimento do MPT, o motorista eventualmente viciado deve ser tratado às custas do empregador e não jogado na lata do lixo, como se fosse o culpado pela insegurança no trânsito.

- O que muda, na minuta, em relação à responsabilidade das embarcadoras?

Esta proposta envolve uma mudança sutil no texto atual, porém, de extrema importância. No texto atual as embarcadoras não podem ‘permitir’ ou ‘ordenar’ que o motorista siga viagem sem descansar o intervalo diário. Já a proposta elimina a obrigação de ‘não permitir’, mantendo apenas a de ‘não ordenar’. Em termos práticos o que a proposta faz é excluir a responsabilidade das embarcadoras, pois, na eventualidade, bastante provável, de que o motorista siga viagem assim que embarcar/desembarcar, a embarcadora não seria responsabilizada, salvo se ordenar o início da viagem.

Fica a desculpa de que o motorista seguiu viagem sem descansar porque quis. Ou seja, se o motorista vier a sofrer um acidente, mais uma vez o culpado é ele mesmo. Mas não é só isso. Se não houver a responsabilização das embarcadoras pelo controle do tempo de direção dos motoristas não haverá condições de concretizar a fiscalização do tempo de direção dos autônomos e isso implicará na quebra absoluta da isonomia que deve haver entre as condições dos motoristas empregados e autônomos.

- A minuta diz que o governo tem de listar as rodovias onde é possível cumprir a lei. O que o senhor acha disso?

Esse é outro ponto que impede a aplicação e fiscalização da lei. Trata-se de imperativo lógico que uma lei que vincule um meio ambiente de trabalho móvel valha em qualquer lugar do território nacional. Imagine a seguinte hipótese: as estradas do Mato Grosso estão homologadas e as do Pará não. Um determinado motorista transita pelo Mato Grosso durante 6 horas sem descansar porque está no limite legal. Depois, esse mesmo motorista, cruza a fronteira com o Pará e lá pode prosseguir sem nenhum limite até o destino, porque lá não há homologação.

Onde fica o descanso? Não fica. Em verdade, a homologação de trechos de rodovia vem na contramão da estruturação das estradas, pois a iniciativa privada já declarou que possui centenas de projetos de construção e ampliação de pontos de parada aguardando exatamente a obrigatoriedade da lei. Ora, mas se a lei não for obrigatória nos trechos onde não há estrutura ideal, os projetos não vão sair do papel e a lei também não vai.

- Sobre a postura dos empregadores: o projeto que resultou na lei 12.619 teve apoio das empresas, por meio da Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Com essa movimentação do agronegócio, o senhor percebe alguma mudança na postura da Confederação? Ela está defendendo o texto atual ou se juntou aos embarcadores?

A Lei n. 12.619 resultou de um acordo firmado entre patrões (CNT) e empregados (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres – CNTTT), de modo que, por questões éticas, não faz sentido que qualquer uma das confederações aproveite o embate com o agronegócio para mudar o que foi objeto de acordo entre elas, mas não é isso que aparenta estar acontecendo. Há vários itens da proposta que interessam apenas às empresas transportadoras, tais como a indeterminação do início e do final da jornada, as mudanças em torno do tempo de espera, a tolerância de até quatro horas extras, entre outras.

Este fato indicia que a CNT está aproveitando a confusão criada pelos ruralistas para tirar proveito e fragilizar ainda mais a condição dos motoristas empregados e, o que é pior, subvertendo exatamente o espírito da lei, ou seja, a limitação da jornada de trabalho, pois, conforme já disse, a proposta de indeterminação da jornada combinada com concomitância do tempo de espera permitem que o motorista trabalhe sem qualquer limite.

- Sobre a remuneração do tempo de espera, a proposta reduz de 30% de adicional sobre a hora normal para apenas 20% da hora normal. Ou seja, se a hora do caminhoneiro é de R$ 10, ele recebe pelo texto atual R$ 13 na espera. E pela proposta dos deputados vai receber apenas R$ 2. É isso? Qual sua avaliação sobre esse ponto?

Sim, a proposta reduz o pagamento do tempo de espera que antes era equivalente a 130% sobre a hora normal, para apenas 20% sobre a hora normal e esta situação bem denota que há sugestões com claro interesse das transportadoras. A proposta conduz a verdadeiros absurdos.

Imaginemos a seguinte situação: um motorista que ganhe R$ 10 por hora, tendo ficado 20 horas na fila de embarque e tenha que seguir viagem logo após o embarque, chegando à origem após 4 horas de viagem. Pelas 20 horas de tempo de espera para embarcar (que, segundo a proposta, não conta integralmente como jornada) o motorista irá ter direito a apenas R$ 40.

Quanto ao período de viagem de retorno, teria direito a receber outros R$ 40 pelas 4 horas que viajou, ficando devendo no banco de horas da empresa outras 4 horas, porque legalmente não cumpriu a sua jornada diária de 8 horas.

Somando tudo, embora trabalhando as 24 horas do dia, receberia o equivalente a apenas 8 horas. Ainda assim, a metade dessas 8 horas, receberia a título indenizatório (sem FGTS, férias, 13º salário, etc). Sem falar que ficaria devendo 4 horas no banco de horas da empresa. É simplesmente inaceitável.


Fonte: Carga Pesada