terça-feira, 6 de janeiro de 2015

SUSPENSA A LEI DE DESCANSO AMERICANA

A obrigatoriedade existe desde 1933, quando nem cabines-leito existiam.

Quando a Paccar americana tentou trazer ao mercado brasileiro o seu modelo pesado Kenworth, o português de nascimento, Antônio da Cunha, declarou à Revista Veículo (descontinuada no final de 2006) que “as características do transporte rodoviário [de carga] daqui são semelhantes às dos EUA”. Sua opinião foi publicada em maio de 1995, a partir da convicção de que ele tinha autoridade para o dito, já que estava há 13 anos na montadora americana e exercia o cargo de diretor de Marketing corporativo.

Os seus planos não foram à frente, mas a comparação de lá-com-cá ficou. Há quem discorde. Principalmente pela diferença de valores do frete, das remunerações do motorista, do agregado, etc. Para não aprofundar no debate, cabe o escape pelas laterais, tipo ‘ele acertou no atacado e errou no varejo’. Agora, por exemplo, da Cunha está certo. Também nos EUA, pega fogo a controvérsia sobre as alterações às regras de descanso dos motoristas de caminhão. À propósito, é preciso destacar que a obrigatoriedade de dormir existe desde 1933, quando nem cabines-leito existiam. Ao longo desse tempo, a norma passou por várias alterações. A mais recente exigia mais tempo para dormir. Após disputada queda de braço, esta alteração foi aprovada pelo Congresso americano em junho de 2013 e levou o nome de 34 horas de restart (recomeço).

Uma complicada re-regulamentação do tempo de parada dos condutores, que ia ao detalhe de impedir o despertar e partida dos profissionais entre 1 e 5 horas da madrugada, pós-período das tais 34 horas. Exigência deveria ser cumprida duas vezes a cada semana. Na época, a ATA tentou impedir a sua aprovação. Alegou perda de produtividade, já que impedia o chofer de tocar direto por mais de 50 horas semanais, conforme Bill Graves, presidente da entidade. O mesmo tinha mais críticas à mexida dos parlamentares. Essa de não poder começar a tocada pela alta madrugada – entre 1 e 5 horas –, acumulava todo mundo na estrada ao mesmo tempo, coincidindo com os picos do rush matutino, também de carros.

Mas afinal, a ATA conseguiu reverter toda a legislação de menos horas ao volante (em inglês HOS = hours of service). Suas cláusulas foram suspensas em meados de dezembro do ano passado, pelo mesmo Congresso, graças ao empenho lobista da ATA. Por outro lado, derrotou interesses e cuidados de muita gente, inclusive do próprio secretário (ministro) dos Transportes, Anthony Foxx. A agência federal de segurança do caminhonismo (FMCSA) também está contra e sempre argumentou que as regras das 34-horas restart visavam “a segurança porque o sono noturno descansa mais do que o diurno”. Daí a proibição de fazer madrugada durante toda a semana.

As exigências de 2013 foram suspensas em dezembro, em favor da versão anterior. Esta admite menores restrições quanto ao tempo de direção. Já a agência FMCSA tem prazo para apresentar novo estudo até setembro deste ano. Nele poderá ser comparado o comportamento dos profissionais sob as regras suspensas e as anteriores, considerando-se o critério básico – e não trabalhista – que é a ocorrência de colisões entre os dois grupos de motoristas. No Brasil, forças do caminhonismo pátrio querem modificar a nossa tão discutida Lei 12.619, do descanso obrigatório. Por outro lado, encontra resistência de oponentes, que defendem a jornada de trabalho e o tempo de direção, conforme limita a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em vigor desde os anos 1940. Mais uma vez da Cunha acerta quanto à coincidência de rumos. Lá (com base em 1933) e cá a luta é para garantir a prevalência do passado. Só que de sinais trocados: o TRC americano quer a lei frouxa; nós aqui procuramos arrochá-la.


Fonte: Carga Pesada